quarta-feira, 19 de agosto de 2015

28 de Fevereiro

Fecho a porta do teu quarto. Caminho pelo corredor do hospital a passo apressado, sinto o chão a fugir-me, apresso ainda mais o passo. A minha mala arrasta-se ao meu compasso, o barulho das rodas ecoa nos meus ouvidos. Entro no elevador e deixo de segurar as lágrimas que vinha a suster dos últimos dias, enquanto o elevador desce, revejo na minha mente toda a semana. Limpo o rosto enquanto a porta se abre, pego no telemóvel para ler as tuas instruções em Alemão para chegar ao aeroporto, reparo que todas me encaminham para longe de ti, para fora da tua vida. Entro no taxi, peço ao taxista para levar-me para a central de camionagem, percorro as ruas de Mainz e recordo-me dos nossos passeios no teu Twingo, a falares-me sobre a cidade e os locais que frequentas, sorrio a pensar nas coisas que dizias no transito e da tua maneira desajeitada e perigosa como conduzias. O motorista diz-me que chegamos entre o Alemão e a linguagem gestual, aponta-me para o local onde tenho que apanhar o BUS, aceno com a cabeça e despeço-me. Aperto o casaco, enquanto já seguro um copo de café grande, sento-me no chão da estação, dou um gole no café para me aquecer o corpo, a alma, porém, continua fria, ainda atormentada pelo acto cobarde de não ter ficado ali contigo, sabendo que estaria melhor a dormir numa cadeira de hospital em dezenas de posições que não pensei que fossem possíveis e a perder a conta ás vezes que acordava só porque mudaste de posição ou porque simplesmente respiraste mais alto. Prendo com as pernas a mala contra mim, não trago qualquer tipo de lembranças físicas nela, apenas um turbilhão de recordações e momentos vividos intensamente. Achava que levava uma mala carregada quando parti, mas afinal era apenas uma mala vazia a qual tu preencheste cada centímetro dela. Num momento de fraqueza pego no telemóvel e vou ver as fotos que tirei da minha semana, não tinha uma única de um local turístico ou de uma zona que tenha gostado muito, apenas fotos das nossas brincadeiras e vídeos no sofá feitos de improviso, a única paisagem ali era nossa felicidade. Entretanto tudo parou à minha volta, a correria das pessoas, o barulho dos comboios e as portas dos autocarros a abrirem-se e a fecharem. O meu sorriso estava diferente, só tu para conseguires tirar o melhor de mim. Viro a cabeça, vejo o meu reflexo num dos vidros da estação, não me reconheço. Imagino-me de volta a minha vida banal e isso sufoca-me, volto a cabeça para o lado oposto, esta um sem-abrigo a pedir esmola, como ele perdeu o tecto que o protegia do frio eu tinha acabado de perder o chão que servia do meu porto seguro. Apanho o bus em direcção a Frankfurt, sinto a minha alma a ficar enquanto o meu corpo se distância cada vez mais de ti a cada quilometro percorrido. Seguro na mala e caminho apressadamente ate à entrada do aeroporto, incrédulo e envergonhado comigo mesmo. Ajeito o cachecol e reparo no furo que fiz no dia que aterrei aqui, tinha tirado o cachecol e o casaco de lã para tentar criar uma boa impressão, colocando-os á volta da minha mala onde se prendiam muitas vezes nas rodas, fazia tanto tempo desde a última vez que tinha tentado impressionar alguém. Entro no aeroporto e paro exactamente no sitio onde tu estavas quando te vi pela primeira vez. Tinhas as mãos nos bolsos do teu casaco preto que terminava na tua cintura, camisa de ganga, camisola cinzenta perfeitamente alinhada com a camisa, jeans e all-stars azuis. Delicadamente colocas o teu cabelo ruivo atrás da orelha ao mesmo tempo que viras a cabeça na minha direcção. Sorriste. Já tinha visto muitos sorrisos mas nada se equiparava ao teu, toda as incertezas da minha viagem desapareceram nesse momento. Aproximaste, cumprimentei te e senti o teu perfume suave e doce, ainda esta tão entranhado em mim. Levo um encontrão e abro os olhos, como se fosse um sinal para voltar a realidade. Arrasto o meu corpo para a porta de embarque. Os motores ligam-se, o avião inicia a marcha de descolagem, prendo a respiração envergonhado com a minha atitude, deixo de sentir o chão, fecho os olhos e no silêncio do meu pensamento peço-te desculpa.

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